Vou auto-intitular-me de borboleta desatenta. Tenho família, que quero proteger do embaraço da experiência que lhes trago, mas ao mesmo tempo quero trazer aqui a minha verdade, o meu grito de alerta, quem sabe o meu pedido de ajuda, a minha oferta de uma verdade genuína.
 
Eu, Borboleta Desatenta, vou por agora evitar rótulos, mas vou deixar aqui uma lista de sinais e sintomas. E chamo a atenção para a dimensão devastadora. Não são apenas traços caricatos. Daqueles que dizemos todos: "Ah, realmente, por vezes eu também sou assim!".
Esses sinais e sintomas, são totais, são sempre e não às vezes. São severos, de impacto devastador sobre o dia a dia da minha casa e sobre a minha vida. destruíram tudo, todos os meus projetos e sonhos. Todas as minhas tentativas, todas as pequenas e não tão pequenas coisas que alguma vez eu tentei ser, fazer, atingir. Tudo.
Não houve projeto, relacionamento, dia, noite, nada; que de uma forma ou outra; não fosse consideravelmente transformado negativamente por parte e ou pela totalidade destes sinais ou sintomas.
 
Posto isto, seguem-se os referidos sinais e sintomas:
Sinais e Sintomas - Visão pessoal
(Alguns sinais e sintomas são comuns a outros transtornos.)
 
  • Manter uma rotina. Acordar cedo, sempre. Nunca. Nunca na minha vida consegui. Manter uma rotina. Ter um plano e seguir esse plano por 3 dias seguidos sequer. Não consigo. Manter seja o que for. Que dependa de uma estabilidade que venha de mim. zero. Em mim, a unica coisa consistente é a mais total inconsistência.
  • Iniciar um projecto com imenso entusiasmo, visão tubolar, deixar de conseguir ver o resto, esquecer tudo, todas as minhas outras áreas de vida, tornar-me completamente obstinada.
  • Acumulação compulsiva, compras compulsivas, constante saldo negativo e dívidas
  • Animais a mais, (adopção compulsiva)
  • Consumo compulsivo de açucar, chocolate e hidratos de carbono
  • Engordo constantemente por causa do que como e não consigo controlar-me nisso
  • Depressão, Doença bi-polar e outros diagnósticos, acumulação compulsiva. Ao fim de tantos anos de consequências de desequilíbrio profundo, causas e consequências vieram a desencadear diversos cenários.  
  • Quero ler algo e enquanto leio sempre existe um diálogo, um decorrer de outro pensamento em simultâneo, como duas pistas de som em que uma corresse no ouvido esquerdo e outra no direito mas neste caso estão ambas no mesmo canal. Assim, vou lendo, ou estudando; ou tentando dar atenção ao que preciso estar atenta, e existe esse "som" de fundo, de palavras, imagens; em auto gestão, com assuntos que dificilmente se relacionam com o assunto em causa. No final de algum tempo de estudo, tento verificar quando do que estudei ficou retido na minha memória. Não ficou quase nada.
  • Vou de uma ponta da casa à outra ponta da casa com um objectivo concreto. Encaminho-me para lá enquanto me vejo a fazer algo ligado a esse objectivo. A meio já outras imagens estão a passar no filme dos meus pensamentos sobre isto e aquilo e já eu não faço a mínima ideia do que estou a fazer no meio da casa. Olho para um lado e para o outro. Começo a fazer outra coisa ou volto para trás? Não faço ideia porque estou ali.
  • Chego da rua. Há anos que quero ter uma casa bonita e arrumada. Há anos que não trabalho. Tenho todo o tempo. Só depende de mim. Já fiz mil planos. Então venho da rua, deixei as filhas na escola e volto com o objectivo de fazer as tarefas que vão permitir limpar um pouco a casa. Abro a porta, entro no hall, na sala. Estaco. Fico parada. Começo a roer as unhas. A minha energia começa a drenar toda para o chão. Deixo de sentir as mão, os pés. Não me consigo mexer. Fico totalmente paralizada. Só consigo roer as unhas. Apetece-me comer chocolate. Isto repete-se, igual, há cerca de 20 anos. Desde que saí da casa dos meus pais e passei a ter a meu cargo o arranjo da casa.
  • Tive uma óptima ideia. Vou ensacar toda a desordem, mas toda mesma. Vou por tudo em sacos numerados. Desaparecer com tudo o que está espalhado no chão e que não deixa chegar aos armários nem abrir bem as portas. Vou aspirar tudo, arejar os quartos. Quem sabe mesmo arranjar uma mulher a dias. E depois arrumo um saco por dia durante os próximos dois ou très ou quatro meses. Trago os sacos. Começo a ensacar. É extremamente confuso. E vejo coisas que mais valia arrumar já, lavar já, deitar fora já. Mas não consigo. Desisto. Acabo por parar a meio. Agora além da desordem que havia, ainda há os sacos e tudo misturado em sacos pelo chão.
  • Aparece uma coisa chata para eu fazer. Um contratempo. Fico ali a adiar, a somar consequências. A sentir-me burra. Incapaz. Porque é que eu não sou capaz? Porque é que os meus braços não me obedecem? 
  • A melhor coisa que me pode acontecer é ter de ir comprar qualquer coisa gira. Para poder saír daqui e poder ir ver coisas. Vestir-me e ir comprar. Comprar e comer. Do melhor. Nada me faz sofrer mais do que não ter dinheiro. Não ter dinheiro é mesmo muito parecido com parir um nado-morto. Dói imendo e não dá vida. Mata-me. Enquanto ir às compras, e esquecer isso do dinheiro. Nada mais libertador. Fico estúpida. Deixo de conseguir ser lógica. De usar o mais básico e puro bom senso. Eu, que não consigo arrumar a casa, nem sequer hesito em comprar aspiradores de 600€
  • Conversa a mais, entusiasmo a mais em conversas com completos estranhos, emocionar-me nessas conversas e depois ficar a sentir-me estúpida por perceber que foi um diálogo esquisito, em que o outro se protegeu e eu dei mais.
  • Sentir que faço figuras tristes em toda a parte porque estou sempre a esquecer-me de tudo, a perder tudo, a não perceber, a não ouvir bem. Faço figura de burra.
  • Perco horas infinitas à procura disto e daquilo.
  • Tenho vergonha da minha casa, da minha vida. As minhas filhas não podem ter visitas, não podem receber aqui as amiguinhas, não podem fazer em casa as festas de anos. Não podemos receber em casa a avó, nem os nossos amigos, e quando os vizinhos entram no prédio ao mesmo tempo fechamos rápido a porta para que não vejam o hall, nem sintam o cheiro.
  • Tenho muito sono, uma boa parte do dia. Às vezes é um sono mesmo para dormir, mas a maior parte das vezes não. A maior parte das vezes é uma espécie de estado intermédio como se tivesse acordado a meio e tivesse ficado num limbo em que uma parte de mim estivesse ainda numa espécie de torpor. Sinto necessidade de açucar para resolver isto. Mas nunca resolve por muito tempo.
  • Momentos de grande alegria e momentos de profundo desgaste e tristeza quase total e questionamento real da validade da minha vida e da vida em si. Às vezes percebo que é bom viver e quero fazer coisas giras. Divirto-me até com a mais simples e trivial das coisas mas no dia seguinte parece que só ter de viver em mim é já um fardo injusto e encontro em todos os perdidos da vida consolo, porque só eles podem entender como me sinto. Pura química. Puro banho químico. Nada depende de acontecimentos exteriores. Depende apenas da química do meu cérebro nesse dia. É totalmente aleatório.

Desculpa, podes dizer isso tudo outra vez mas do princípio?

Impressionante.
Não sou burra. No sentido em que entendo as coisas. Com um nível de entendimento em que consigo integrar coisas de alguma complexidade. Mas depois noutros momentos as coisas não entram. 
Umas vezes vou a mil à hora e os pensamentos e as ideias viajam e dançam e flutuam criando outras, e eu consigo compreender e percebo e sei que estou naquilo que os americanos chamam estar in the zone
 
Outras vezes são coisas simples, de uma simplicidade aberrante: 
-"Epá, já estou a ficar nervoso, já te expliquei isto... já não sei como hei-de explicar"
 
E eu sei que é simples. Eu só não estou a conseguir que entre e fique.
Posso escrever. É o que faço muitas vezes. Para ler depois.
Escrevo e enquanto escrevo estou a ter pensamentos multi-pista. Nem sei o que estou a escrever.
Não faz mal.
Noutra altura vou consultar aquilo e vai estar ali escrito.
 
"Mas desculpa, podes só repetir do princípio para eu escrever?"

Onde está a lancheira??

A filha a ficar atrasada para a escolinha! Eu a ficar furiosa. Não consigo entender. Procuro, vou a todos os compartimentos da casa. Ralho com ela. Enerva-me que ela esteja tão calma. Tem 4 anos e só quer aproveitar para ver os bonecos na televisão.
Então eu digo para ela procurar a lancheira comigo.
No fundo eu acho sempre que são os outros. Fico furiosa. Acho sempre impossível ser eu a fazer tanta confusão, porque eu esforço-me tanto. 
- "Onde puseste a lancheira"
- "Eu? Não fui eu!"
Andamos nisto uns bons 10 minutos.
Eu já estou cheia de calor na cara. Sinto a pressão a subir. Olho para as horas. Continuo a andar por todos os compartimentos da casa enquanto decido que hoje ela leva o lanchinho num saco plástico. Pronto.
Irrita-me o desconchavo.
Então acabo por levantar a minha mala dos livros. Lá estava a lancheira.
Chegámos tarde à escola.
Não sei como foi ali parar a lancheira.
Não sei porque é que todos os dias acordo cedo e todos os dias desaparece qualquer coisa e eu chego tarde ou em cima da hora.
E nem sequer é muito importante. A professora recebe-nos sempre alegremente. 10 minutos de atraso. Ela tem 4 anos. Não é que vá perder muita matéria nas aulas!!
 
É a raiva de nunca saber onde ponho as coisas. E achar que os outros é que me perdem tudo. É como viver num lugar onde o caos toma conta dos meus dias e no fim descobrir sempre que a culpa é minha e que não tenho o direito de me zangar com ninguém a não ser comigo. É desconcertante.
 
E não adiante uma lista de mil soluções do mais puro bom senso.
São décadas disto. Eu já tentei tudo.
Eu esforço-me para lá de muito.
A sério.
É por isso que dói tanto.
E é por isso que me esforço tanto.
Porque se não me esforçar ainda piora e depois ainda doi mais até ao colapso. Ao colapso de todos nós.
E eu não tenho esse direito.
Sou uma mãe de família.
Com uma casa para cuidar.
E tento todos os dias.
Sempre.